Hoje estou meio nostálgica. Como de costume, quando não estou na escola, após o café leio alguns blogs. E quanto "bato os olhos" no post da Roseana Murray, esta me embala numa viagem ao passado, quando conta de uma casa simples, sem energia elétrica, com conversas à luz de velas e muitas recordações. À medida que leio o pequeno texto da Roseana, posso jurar que até sinto o cheirinho de querosene, combustível das lamparinas que iluminavam a casa da minha infância. Imediatamente me vejo criança, cabelo muito assanhado, a casa simples, pequenina e cheia de gente, repleta de calor humano de tios, tias, avós, primos.
Agora faço parte de uma parcela da população que usufrui de todos os benefícios da modernidade, mas conheci o outro lado. Não que queira voltar no tempo, porém são recordações que fazem bem à minha alma e me permitem confrontar passado e presente.
Recordo das pessoas, dos bichos no quintal, do abacateiro, do pé de laranjinha capeta, do limoeiro, da gangorra de pneu de bicicleta. Como esquecer o cantinho de horta com plantas medicinais e a losna, que a minha mãe nos fazia ingerir para dor no estômago, combater vermes e abrir o apetite? E o pé de assa-peixe? Esse, além de ser usado sabiamente como remédio, pela facilidade com que são retirados seus galhos, serviu muitas e muitas vezes para as varadas que levei da minha mãe.
Muro inexistia, mas uma cerca de arame juncada com ora-pro-nobis e cansanção. Além de formarem uma cerca viva impossível de transpor, ambas são plantas comestíveis, então, meu pai soube unir o útil à segurança ao agradável ao estômago.
Até o que era árduo se transformava em diversão. Nem preciso forçar muito a memória para me ver em lugares a uma ou duas horas da nossa casa, quando saíamos, um bando de crianças mais alguns adultos para buscar lenha. Eu ia sempre muito contente, desde que não houvesse boi bravo no terreno. Era uma das que acreditavam piamente que boi não gosta de vermelho, então nada de ir com roupa nessa cor. Depois de recolhida a lenha, amarrado o feixe com as cordas, enquanto nós, crianças, aguardávamos as mulheres mais velhas terminarem seus arranjos, não havia árvore ou pedreira impossível de ser escalada, grotão que não pudesse ser explorado. Nos ninhos a gente não mexia, pois a vó dava bronca.
Eu conhecia quase todas as árvores, flores e também os frutos do cerrado: o bacupari, a goiaba, o pequi, o jatobá. Voltávamos com o feixe de lenha na cabeça e uma sacolinha pendurada no ombro com algumas frutas. Divertíamo-nos com o quase engasgar com o pó do jatobá, que, além de tudo, grudava nos dentes, formando uma pasta nada bonita de se ver.
E ao chegar a casa, a tarefa era buscar água, visto não a termos encanada naquele tempo. Uma torneira pública foi cenário de amizades, lugar onde trocávamos informações, fofocávamos e brigávamos também, a rolar nas poças, cheios de lama. No quarteirão de nossas casas, as brincadeiras de roda nos fins de tarde alimentaram namoros e deixaram saudades.
Ai, que tempo bom! Não me lembro de ter sofrido. Sobraram algumas cicatrizes no corpo, dos tombos e arranhões, mas na alma, nenhuma.
Fora o medo de assombração, que me fazia dormir com a cabeça totalmente coberta, com a lamparina acesa e fazer xixi na cama, o resto era um mundo de inocência e alegria.
Cida dos Santos Ilustrações: Ana Beatriz