sábado, 31 de março de 2012

Clarice, eterna

Não tenho tempo para mais nada...

Ser feliz me consome muito.

Sou como você me vê.

Posso ser leve como uma brisa ou forte como uma ventania:

depende de quando e como você me vê passar.

Eu acreditava em anjos.

E, porque acreditava, eles existiam.

Perder-se também é caminho.

Já que se há de escrever, que, pelo menos, não se

esmaguem -com palavras- as entrelinhas.

Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso.

Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro.

Não se preocupe em entender.

Viver ultrapassa qualquer entendimento.

Todos os dias, quando acordo, vou correndo

tirar a poeira da palavra “amor”.

Há a vida que é para ser intensamente vivida.

Há o amor, que tem que ser vivido até a última gota.

Sem nenhum medo. Não mata.

Sempre conserve uma aspa à sua esquerda e outra à sua direita.

Que medo alegre o de te esperar!

Tenho medo de dizer quem sou: no momento em que tento

falar, não exprimo o que sinto e o que sinto se transforma,

lentamente, no que eu digo.

Quando se ama, não é preciso entender o que se passa lá

fora, pois tudo passa a acontecer dentro de nós.

Eu nem entendo mais aquilo que entendo.

Pois, estou infinitamente maior do que eu mesma...

então, não me alcanço.

Ouve-me. Ouve o meu silêncio.

O que falo nunca é o que falo e, sim, outra coisa.

Capta a “outra coisa” porque eu mesma não posso.

Você pode, até, me empurrar de um penhasco...

E daí? Eu adoro voar!

E ninguém é eu. E ninguém é você.

Esta é a solidão.

Minha alma tem o imaterial peso da solidão no meio de outros.

O que verdadeiramente somos

é aquilo que o impossível cria em nós.

Sou composta por urgências:

minhas alegrias são intensas,

minhas tristezas, absolutas.

Me entupo de ausências,

me esvazio de excessos.

Eu não caibo no estreito...

Eu só vivo nos extremos...

Clarisse Lispector