sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Um poeta nordestino...Oxente! Uai!

Estive lendo muita besteira nestes últimos dias e não preciso nem explicar que estou falando dos insultos, da xenofobia que o descontentamento frente ao resultado das eleições  se fez descortinar por parte de algumas pessoas. Sim, digo descortinou, porque o preconceito está implícito nas relações e escapa da concha da hipocrisia ante algum conflito, é sempre assim.  
Sem me aprofundar se candidato A ou B é melhor ou pior, o certo é que nunca vi tanta "abobrinha". E o que é  drástico: os insultos vêm de jovens, que, na minha modesta concepção,  deveriam ter uma mente mais aberta. Vêm também  de pessoas que têm um bom grau de formação acadêmica, mas que não alcançaram um nível de cultura que os faça entender a diversidade e que não conhecem a realidade cultural,  geográfica, econômica de estados e regiões que agora,  viraram alvos da onda ofensiva  do momento. Tudo porque, para compensar a frustração de uma derrota, aqueles que não sabem perder com classe apelam para a chiadeira grotesca e embirrada, juntando-se aí mais alguns que, independente de resultado de eleição, encontraram uma oportunidade para disseminar rancores e preconceitos. 
E Então eu me vejo relendo tantos versos, frases, recordando livros e histórias de vida de tantos artistas do norte e nordeste do Brasil, reconhecendo mais uma vez que, além da música, existe uma infinidade de criações, que muitos porém, teimam em não ver, em não valorizar.
Recordo o primeiro romance de ficção regionalista que li: O quinze, de Raquel de Queiroz, a cearense ilustre que faria 100 anos no dia 17 de novembro.
Minha primeira paixão poética, já contei aqui, foi o poema "Pardalzinho", do pernambucano Manuel Bandeira, hoje um dos meus poetas preferidos.Vejo-me repetindo os primeiros versos do poema do também pernambucano  João Cabral de Melo Neto - Tecendo a Manhã: "Um galo sozinho não tece uma manhã; ele precisará sempre de outros galos", depois me emocionando com os vários "severinos" do Morte e Vida Severina. Minha lista se estende na literatura sensual de Gabriela, do baiano Jorge Amado, na vida sofrida dos seus meninos "Capitães da areia" e tantas outras obras. Poderia ainda falar de outros baianos ilustres: Castro Alves e Rui Barbosa  e voltar ao Pernambuco no ritmo gostoso do baião do Luiz Gonzaga. Daria um "pulinho" lá no norte, conhecendo através de "O missionário" de Inglês de Souza, um pouquinho mais do Pará. Em seguida refletiria com os versos do amazonense Thiago de Melo sobre "Os estatutos do homem". E não dá para pensar na região do Amazonas sem ouvir do compartimento de boas lembranças da memória o compositor e cantor manauara Vinícius Cantuária, esbajando charme e talento na interpretação da música "Só você". E minha imaginação voltaria para Minas, onde vislumbro o rosto da minha amiga  Silvia, mulher forte, paraense de fibra e de inteligência acima da média, professora dedicada à educação mineira.
Se eu fosse relatar sobre todos os escritores e outros artistas do norte e nordeste que influenciaram  meu gosto literário ou tiveram importância em momentos marcantes da minha vida, o leitor do blog ficaria horas e horas se deliciando com o que tenho para repartir.
Gente, o Brasil é riquíssimo! Quanta cultura, quanta coisa diferente para se aprender, lugares novos e lindos para se conhecer, amizades para se conquistar. Creio que as pessoas que se portam  com esse seletismo preconceituoso se privam de muitas dessas coisas de que falei.
Mas, como gosto de apresentar poetas que não são muito conhecidos aqui nas Minas Gerais,  cujas obras me chegaram aos olhos ou ouvidos com um pouco de história pessoal, apresento, a quem não conhece, Otacílio Batista, um poeta nordestino arretado. Antes, preciso voltar no tempo, mais uma vez. 
Ainda bem jovem me tornei fã da Elba, do Zé Ramalho, da Amelinha e foi na voz desta que ouvi pela primeira vez a música "Mulher nova, bonita e carinhosa". Como se diz por aqui, achei o "trem" mais bonito do mundo. Apaixonada por música, fascinada pela história da Grécia,  cantarolava dia e noite a canção, mesmo com as muitas repreensões da minha mãe, que julgava por demais obsceno o refrão que dizia que "mulher nova, bonita e carinhosa faz um homem gemer sem sentir dor". Eu acreditava que a música era do Zé Ramalho e somente muito tempo depois fui descobrir que os versos de Otacílio foram musicados pelo Zé, dando origem à canção “Mulher Nova Bonita e Carinhosa”, gravada inicialmente pela cantora Amelinha e depois pelo próprio Zé Ramalho. A canção foi tema de um filme brasileiro sobre Lampião, o Rei do Cangaço e , no texto que posto abaixo, há uma estrofe final que não há na música.

Um pouco sobre a vida e obra de Otacílio Batista
Poeta repentista, o mais novo dos três famosos irmãos Batista (Otacílio, Dimas, e Louro do Pajeú, O Lourival Batista).
Otacílio Batista Patriota nasceu no dia 26 de setembro de 1923, na Vila Umburanas, São José do Egito, sertão pernambucano do Alto Pajeú.
Filho de Raimundo Joaquim Patriota e Severina Guedes Patriota, ambos paraibanos, Otacílio participou pela primeira vez de uma cantoria em 1940, durante uma Festa de Reis em sua cidade natal. Daquele dia em diante, nunca mais abandonaria a vida de poeta popular.
Em mais de meio século de repentes, participou de cantorias com celebridades como o Cego Aderaldo e outros. Conquistou vários festivais de cantadores realizados nos estado de Pernambuco, Ceará, Rio de Janeiro e São Paulo.
Entre os folhetos de Cordel que Otacílio publicou estão os seguintes: A Morte do Ex-Governador Dix-Sept Rosado; Versos a Câmara Cascudo; Peleja de Zé Limeira com Zé Mandioca; Peleja do Imperador Pedro II com o Rei Pelé. Todos consagrados junto aos leitores nordestinos.
Otacílio Batista publicou, ainda, vários livros. Entre os quais, destacam-se: Poemas que o Povo Pede; Rir Até Cair de Costas; Poema e Canções; e Antologia Ilustrada dos Cantadores, este último com F. Linhares. Otacílio Batista Patriota morreu a 05 de agosto de 2003, na cidade de João Pessoa, Paraíba.
Depois de ouvir Otacílio Batista cantar durante um festival de violeiros realizado no Rio de Janeiro, o poeta Manuel Bandeira fez os seguintes versos:
Violeiros do Nordeste
Anteontem, minha gente,
Fui juiz numa função
De violeiros do Nordeste
Cantando em competição,
Vi cantar Dimas Batista,
Otacílio, seu irmão,
Ouvi um tal de Ferreira,
Ouvi um tal de João.
Um a quem faltava um braço
Tocava cuma só mão;
Mas como ele mesmo disse,
Cantando com perfeição,
Para cantar afinado,
Para cantar com paixão,
A força não está no braço,
Ela está no coração.
Ou puxando uma sextilha,
Ou uma oitava em quadrão,
Quer a rima fosse em inha
Quer a rima fosse em ão,
Caíam rimas do céu,
Saltavam rimas do chão!
Tudo muito bem medido
No galope do Sertão.
A Eneida estava boba,
O Cavalcanti bobão,
O Lúcio, o Renato Almeida,
Enfim toda comissão.
Saí dali convencido
Que não sou poeta não;
Que poeta é quem inventa
Em boa improvisação
Como faz Dimas Batista
E Otacílio seu irmão;
Como faz qualquer violeiro,
Bom cantador do Sertão,
A todos os quais humilde
Mando “minha saudação.”
Poesia além dos "castelos"

O grande artista brasileiro Antônio Nóbrega disse a respeito dos irmãos Batista:
"Poetas ignorados pela crítica culta e pelas grandes editoras, mostram que há uma poesia além dos ‘castelos".
Apesar de Manuel Bandeira haver escrito o poema memorável acima, dizendo que ele mesmo, membro da Santíssima Trindade da poesia culta do Brasil do século, ao lado de Carlos Drummond de Andrade e de João Cabral de Melo Neto, não poderia ser considerado um poeta, se comparado à tríade de irmãos de repentistas Dimas, Otacílio e Lourival Batista, o que há de verdade é um o esquecimento da cultura popular pelos que produzem a cultura dita erudita no Brasil. Tonheta, o palhaço violinista (Antônio da Nóbrega)  tem toda razão quando diz que  há  que "há um fosso difícil de transpor entre os violeiros da aldeia e os saraus do castelo".

                                             Mulher Nova Bonita e carinhosa (vídeo acima)
(Otacílio Batista e Zé Ramalho)

Numa luta de gregos e troianos
Por Helena, a mulher de Menelau
Conta a história que um cavalo de pau
Terminava uma guerra de dez anos
Menelau, o maior dos espartanos
Venceu Paris, o grande sedutor
Humilhando a família de Heitor
Em defesa da honra caprichosa
Mulher nova, bonita e carinhosa
Faz o homem gemer sem sentir dor.
Alexandre figura desumana,

Fundador da famosa Alexandria
Conquistava na Grécia e destruía
Quase toda a população tebana,
A beleza atrativa de Roxana
Dominava o maior conquistador;
E depois de vencê-la, o vencedor
Entregou-se à pagã mais que formosa!
Mulher nova bonita e carinhosa
Faz um homem gemer sem sentir dor.

A mulher tem na face dois brilhantes
Condutores fiéis do seu destino
Quem não ama o sorriso feminino
Desconhece a poesia de Cervantes
A bravura dos grandes navegantes
Enfrentando a procela em seu furor
Se não fosse a mulher mimosa flor
A história seria mentirosa
Mulher nova, bonita e carinhosa.
Faz o homem gemer sem sentir dor.

Virgulino Ferreira, o Lampião.
Bandoleiro das selvas nordestinas
Sem temer a perigos nem ruínas
Foi o rei do cangaço no Sertão
Mas um dia sentiu no coração
O feitiço atrativo do amor
A mulata da terra do condor
Dominava uma fera perigosa
Mulher nova, bonita e carinhosa.
Faz o homem gemer sem sentir dor.
Na velhice, o sujeito nada faz...

A não ser uma igreja que visita;
Mas, se acaso encontrar mulher bonita,
Ele troca Jesus por Satanás;
Pensa logo no tempo de rapaz,
Diz pra ela: "Me ame, por favor"
A reposta que vem : "é não Senhor
Sua idade passou, deixe de prosa".
Mulher nova, bonita e carinhosa
Faz o homem gemer sem sentir dor
fontes:http://portaldopajeu.com/index.php/poetas-do-pajeu/44-poetas/54-otacilio-batista-otacilio-batista-patriota.html
http://www.saojosedoegitocapitaldapoesia.hpg.ig.com.br/personagens.html