sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Duas dúzias de coisinhas à-toa que deixam a gente feliz

Um poema, que na sua leveza, consegue mostrar para nós, "gente grande", que a lista de “coisinhas” anunciada pelo título, na verdade fala de coisas importantes para a felicidade do poeta e de muitas outras pessoas. E tanto as banais quanto as essenciais  preenchem nossa vida.

Duas dúzias de coisinhas à-toa que deixam a gente feliz
                                                                     Otávio Roth

Passarinho na janela, pijama de flanela, brigadeiro na panela.
Gato andando no telhado, cheirinho de mato molhado, disco antigo sem chiado.
Pão quentinho de manhã, dropes de hortelã, o grito do Tarzan.
Tirar a sorte no osso, jogar pedrinha no poço, um cachecol no pescoço.
Papagaio que conversa, pisar em tapete persa, eu te amo e vice-versa.
Vaga-lume aceso na mão, dias quentes de verão, descer pelo corrimão.
Almoço de domingo, revoada de flamingo, herói que fuma cachimbo.
Anãozinho de jardim, lacinho de cetim, terminar o livro assim.

* Vamos brincar um pouquinho? Comentem, mas também contem em um  verso, no estilo do poema acima, três das coisinhas que deixam vocês felizes. Quando tivermos uma boa lista, posto aqui no blog.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

PARDALZINHO

(Manuel Bandeira)

O pardalzinho nasceu
Livre. Quebraram-lhe a asa,
Sacha lhe deu uma casa,
Água, comida e carinhos.
Foram cuidados em vão:
A casa era uma prisão,
O pardalzinho morreu.
O corpo Sacha enterrou
No jardim; a alma, essa voou
Para o céu dos passarinhos
Foi o primeiro poema pelo qual me apaixonei. Eu tinha 8 anos...
A professora o passou no quadro e a cada verso que lia na lousa e copiava no meu caderno, invadia-me uma emoção que ainda não havia experimentado. A história daquele passarinho comoveu meu coraçãozinho de criança e minha mente desenhava as imagens da menina a tentar alimentar um bichinho, que a falta de liberdade fez morrer de tristeza.
Mas como era lindo o céu dos passarinhos que minha imaginação criava! Esse era o meu consolo.
E durante toda a minha vida essa pequena e linda obra do Bandeira esteve num cantinho da memória, não escondido, mas reservado para os momentos em que me faz falta relembrar aquela criança que fui.

Na fase escolar de 5ª a 8ª série, nenhum professor premiou-me com estudos das obras de Manuel Bandeira e só o meu “Pardalzinho” continuava a me fazer companhia.
Mas no ensino médio, para meu deleite, Bandeira com seus poemas estava lá. Conheci “Letra para uma valsa romântica”, “A estrela”, “Vou-me embora pra Pasárgada”, “O bicho”, “Os sapos”.
Somente então pude compreender a importância do poeta para a literatura brasileira, ao perceber que seus versos atravessaram todas as fases do Modernismo no Brasil, sendo o poema “Os sapos”considerado uma espécie de hino modernista, depois que foi declamado noTeatro Municipal de São Paulo, durante a Semana de Arte Moderna, no ano de 1922, quando se deu a explosão do Movimento Modernista Brasileiro. A bibliografia desse pernambucano conta com obras significativas também em prosa e , Conforme esclarece o melhor crítico da obra de Bandeira, Davi Arrigucci Jr.: "A poesia de Bandeira tem início no momento em que sua vida, mal saída da adolescência, se quebra pela manifestação da tuberculose, doença então fatal. O rapaz que só fazia versos por divertimento ou brincadeira, de repente, diante do ócio obrigatório, do sentimento de vazio e tédio, começa a fazê-los por necessidade, por fatalidade, em resposta à circunstância terrível e inevitável".

São características da obra de Bandeira: emprego do verso livre, mas não com exclusividade. Mesmo em suas últimas obras Bandeira recorre a formas fixas, uma demonstração a mais de sua liberdade de expressão, aproveitamento da fala coloquial, poesia simples, direta, aproveitamento de fatos do cotidiano, sentimento de humildade diante dos fatos, humor e visão de amor se aproximando ao erotismo, o amor físico.

Na solidão das noites úmidas

Como tenho pensado em ti na solidão das noites úmidas,
De névoa úmida,
Na areia úmida!
Eu te sabia assim também, assim olhando a mesma cousa
No ermo da noite que repousa.
E era como se a vida,
Mansa, pousasse as mãos sobre a minha ferida...

Mas, ah! como eu sentia
A falta de teu ser de volúpia e tristeza!
O mar... Onde se via o movimento da água,
Era como se a água estremecesse em mil sorrisos.
Como uma carne de mulher sob a carícia.
O luar era um afago tão suave,
- Tão imaterial -
E ao mesmo tempo tão voluptuoso e tão grave!
O luar era a minha inefável carícia:
A água era teu corpo a estremecer-se com delícia.

Ah! em música, pôr o que eu então sentia!
Unir no espasmo da harmonia
Esses dois ritmos contrastantes:
O frêmito tão perdidamente alegre de amor sob a carícia
E essa grave volúpia da luz branca.

Oh! viver contigo!
Viver contigo todos os instantes...
Harmoniosa e pura,
Sem lastimar a fuga irreparável dos anos,

Dos anos lentos e monótonos que passam,
Esperando sempre que maior ventura
Viesse um dia no beijo infinito da mesma morte...

Manuel Bandeira

(1886-1968)