sexta-feira, 23 de julho de 2010

De velas e lamparinas


Hoje estou meio nostálgica. Como de costume, quando não estou na escola, após o café leio alguns blogs. E quanto "bato os olhos" no post da Roseana Murray, esta me embala numa viagem ao passado, quando conta de uma casa simples, sem energia elétrica, com conversas à luz de velas e muitas recordações.  À medida que leio o pequeno texto da Roseana, posso jurar que até sinto o cheirinho de querosene, combustível das lamparinas que iluminavam a casa da minha infância. Imediatamente me vejo criança, cabelo muito assanhado, a casa simples, pequenina e cheia de gente, repleta de calor humano de tios, tias, avós, primos.
Incrível...
Agora faço parte de uma parcela da população que usufrui de todos os benefícios da modernidade, mas conheci o outro lado. Não que queira voltar no tempo, porém são recordações que fazem bem à minha alma  e me permitem confrontar passado e presente.
Recordo das pessoas, dos bichos no quintal, do abacateiro, do pé de laranjinha capeta, do limoeiro, da gangorra de pneu de bicicleta. Como esquecer o cantinho de horta com plantas medicinais e a losna, que a minha mãe nos fazia ingerir para dor no estômago, combater vermes e abrir o apetite?  E o pé de assa-peixe? Esse, além de ser usado sabiamente como remédio, pela facilidade  com que são retirados seus galhos, serviu muitas e muitas vezes para as varadas que levei da minha mãe.
Muro inexistia, mas uma cerca de arame juncada com ora-pro-nobis e cansanção. Além de formarem uma cerca viva impossível de transpor, ambas são plantas comestíveis, então, meu pai soube unir o útil à segurança ao agradável ao estômago.
Até o que era árduo se transformava em diversão. Nem preciso forçar muito a memória para me ver em lugares a uma ou duas horas da nossa casa,  quando saíamos, um bando de crianças mais alguns  adultos para buscar lenha. Eu ia sempre muito contente, desde que não houvesse boi bravo no terreno. Era uma das que  acreditavam piamente que boi não gosta de vermelho, então nada de ir com roupa nessa cor. Depois de recolhida a lenha, amarrado o feixe com as cordas, enquanto nós, crianças, aguardávamos as mulheres mais velhas terminarem seus arranjos, não havia árvore ou pedreira impossível de ser escalada, grotão que não pudesse ser explorado. Nos ninhos a gente não mexia, pois a vó dava bronca.
Eu conhecia quase todas as árvores,  flores e também os frutos do cerrado: o bacupari, a goiaba, o pequi, o jatobá. Voltávamos com o feixe de lenha na cabeça e uma sacolinha pendurada no ombro com algumas frutas. Divertíamo-nos com o quase engasgar com o pó do jatobá, que, além de tudo, grudava nos dentes, formando uma pasta nada bonita de se ver.
E ao chegar a casa, a tarefa era  buscar água, visto não a termos encanada naquele tempo. Uma torneira pública  foi cenário de amizades, lugar onde trocávamos informações, fofocávamos e brigávamos também, a rolar nas poças, cheios de lama. No quarteirão de nossas casas, as brincadeiras de roda nos fins de tarde alimentaram namoros e deixaram saudades.
Ai, que tempo bom! Não me lembro de ter sofrido. Sobraram algumas cicatrizes no corpo, dos tombos e arranhões, mas na alma, nenhuma.
Fora o medo de assombração, que me fazia dormir com a cabeça totalmente coberta, com a  lamparina acesa e fazer xixi na cama, o resto era um mundo de inocência e alegria.
 Cida dos Santos                                                    Ilustrações:  Ana Beatriz

sábado, 17 de julho de 2010

O camelô do Amor

Cabelos sem brilho? Rugas? Espinhas? Enxaqueca? Para todos os males, o poeta camelô Vinicius de Moraes receita um remédio infalível, sem contraindicações.
*As ilustrações são da minha filhotinha Ana Beatriz (08 anos), que quis colaborar com o blog da mamãe. Expliquei para ela que o poema fala sobre as mulheres e em poucos minutos saíram os desenhos.
Espero que apreciem o poema e a arte da minha "auxiliar de blogueira".



                                                        O Amor tonifica o cabelo das mulheres
Torna-o vivo e dá-lhe um brilho natural.
Ondulações permanentes? Só as do amor.
Amai! Nada melhor que o Amor
 para as moléstias do couro  cabeludo.

O Amor ilumina os olhos das mulheres
Olhos sem cor? Amor! Olhos injetados?
Colírio lágrimas de Amor! Amai, mulheres!
O Amor branqueia a córnea, acende a íris, dilata as pupilas cansadas.

O Amor limpa de rugas a fronte das mulheres
Para pés-de-galinha, beijos de Amor! Tende sempre em mente:
O Amor coroa as mulheres de pesados diademas invisíveis
Amai, mulheres! A mulher que ama move-se dignamente.

O Amor heleniza o nariz das mulheres
Quando não dá-lhes delicados riques, particularmente nas asas.
Narizes gordurosos, com propensão a cravos, acnes ou espinhas?
Amai, mulheres! Esfregando de leve os narizes de encontro ao nariz amado.

Amor horizontal é melhor e não faz mal. Bocas plenas rosadas palpitantes?
Beijos de Amor constantes! Mantêm-nas bem lubrificadas.
Se quereis conservar aceso o ardor dos que vos amam
Beijai, mulheres! Doce, triste, alegre, violentamente apaixonadas.

Nem Ardens, nem Rubinsteins: morte às pomadas!
Pomadas, cremes, só de amor, amadas!
Pele jovem e macia? Amai, se possível todo dia
E ante o esplendor de vossas peles há de ruborizar-se a madrugada.

O Amor estimula extraordinariamente a higiene bucal
Os amorosos lavam-se os dentes, dão massagens nas gengivas, limpam-se as línguas com água e sal,
Que é como todos sabem, o composto químico da saliva
Que consequentemente se ativa
 Impedindo a halitose e tornando a carícia palatal.

Não sabe aquela que só compra Lifebuoy?
Perdeu o marido e nunca soube como foi.
Sim, lavai-o debaixo de vossas asas, ó anjos, mas nada de exagero:
Uma axila sem cheiro pode levar um homem ao desespero.

Basta de pastas: ó tu, que transportas o leite contigo
Bom até a última gota! Sou teu amigo, ouve o que te digo;
Se amares o sangue funcionará melhor em tuas glândulas mamares
E terás seios autodidatas firmes objetivos singulares.

Chega de plásticas cirúrgicas, radioterapias e outras perfumarias
Vivei e amai ao sol: para aquele que vos ama, vossos defeitos são poesia
Nada mais lindo que a feiúra da mulher amada.
Por isso eu sempre digo: qual regulador qual nada!

Regulador? Besteira! Amai, mulheres.
A verdadeira saúde da mulher está em ser boa companheira
Dê e tome, tome e mate, e mate de Amor.
A mulher que se preza sabe sorrir.
Conserve o seu sorriso. Valha o quanto pesa.

Se é de amor, é bom. Eu sempre digo, e faço figa
Do que me diga não ser melhor que óleo de fígado.
Pois além de excitar o metabolismo basal
Para o simpático é o tônico ideal.

Eis o seu mal, não amar. Daí, decerto, a causa
Dessas palpitações, enxaquecas e náuseas...
O espetáculo começa quando a senhora chega
Espere um instante por favor
E repita comigo, bem devagar: A-M-O-R.



Vinicius de Moraes
(1913-1980)