sexta-feira, 6 de agosto de 2010

PARDALZINHO

(Manuel Bandeira)

O pardalzinho nasceu
Livre. Quebraram-lhe a asa,
Sacha lhe deu uma casa,
Água, comida e carinhos.
Foram cuidados em vão:
A casa era uma prisão,
O pardalzinho morreu.
O corpo Sacha enterrou
No jardim; a alma, essa voou
Para o céu dos passarinhos
Foi o primeiro poema pelo qual me apaixonei. Eu tinha 8 anos...
A professora o passou no quadro e a cada verso que lia na lousa e copiava no meu caderno, invadia-me uma emoção que ainda não havia experimentado. A história daquele passarinho comoveu meu coraçãozinho de criança e minha mente desenhava as imagens da menina a tentar alimentar um bichinho, que a falta de liberdade fez morrer de tristeza.
Mas como era lindo o céu dos passarinhos que minha imaginação criava! Esse era o meu consolo.
E durante toda a minha vida essa pequena e linda obra do Bandeira esteve num cantinho da memória, não escondido, mas reservado para os momentos em que me faz falta relembrar aquela criança que fui.

Na fase escolar de 5ª a 8ª série, nenhum professor premiou-me com estudos das obras de Manuel Bandeira e só o meu “Pardalzinho” continuava a me fazer companhia.
Mas no ensino médio, para meu deleite, Bandeira com seus poemas estava lá. Conheci “Letra para uma valsa romântica”, “A estrela”, “Vou-me embora pra Pasárgada”, “O bicho”, “Os sapos”.
Somente então pude compreender a importância do poeta para a literatura brasileira, ao perceber que seus versos atravessaram todas as fases do Modernismo no Brasil, sendo o poema “Os sapos”considerado uma espécie de hino modernista, depois que foi declamado noTeatro Municipal de São Paulo, durante a Semana de Arte Moderna, no ano de 1922, quando se deu a explosão do Movimento Modernista Brasileiro. A bibliografia desse pernambucano conta com obras significativas também em prosa e , Conforme esclarece o melhor crítico da obra de Bandeira, Davi Arrigucci Jr.: "A poesia de Bandeira tem início no momento em que sua vida, mal saída da adolescência, se quebra pela manifestação da tuberculose, doença então fatal. O rapaz que só fazia versos por divertimento ou brincadeira, de repente, diante do ócio obrigatório, do sentimento de vazio e tédio, começa a fazê-los por necessidade, por fatalidade, em resposta à circunstância terrível e inevitável".

São características da obra de Bandeira: emprego do verso livre, mas não com exclusividade. Mesmo em suas últimas obras Bandeira recorre a formas fixas, uma demonstração a mais de sua liberdade de expressão, aproveitamento da fala coloquial, poesia simples, direta, aproveitamento de fatos do cotidiano, sentimento de humildade diante dos fatos, humor e visão de amor se aproximando ao erotismo, o amor físico.

Na solidão das noites úmidas

Como tenho pensado em ti na solidão das noites úmidas,
De névoa úmida,
Na areia úmida!
Eu te sabia assim também, assim olhando a mesma cousa
No ermo da noite que repousa.
E era como se a vida,
Mansa, pousasse as mãos sobre a minha ferida...

Mas, ah! como eu sentia
A falta de teu ser de volúpia e tristeza!
O mar... Onde se via o movimento da água,
Era como se a água estremecesse em mil sorrisos.
Como uma carne de mulher sob a carícia.
O luar era um afago tão suave,
- Tão imaterial -
E ao mesmo tempo tão voluptuoso e tão grave!
O luar era a minha inefável carícia:
A água era teu corpo a estremecer-se com delícia.

Ah! em música, pôr o que eu então sentia!
Unir no espasmo da harmonia
Esses dois ritmos contrastantes:
O frêmito tão perdidamente alegre de amor sob a carícia
E essa grave volúpia da luz branca.

Oh! viver contigo!
Viver contigo todos os instantes...
Harmoniosa e pura,
Sem lastimar a fuga irreparável dos anos,

Dos anos lentos e monótonos que passam,
Esperando sempre que maior ventura
Viesse um dia no beijo infinito da mesma morte...

Manuel Bandeira

(1886-1968)

7 comentários:

  1. Há poetas que nos marcam pela simplicidade e leveza dos seus versos.
    Parece que ao lê-la senti a tristeza do passarinho com a asa partida e depois numa prisão...

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  2. Manuel Bandeira, uma bandeira de vontade e força, de amor e dedicação à poesia e literatura, bela escolha, pra vc bjos, bjos e bjosssssssssss

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  3. *Luís, percebo muito do Bandeira na leveza dos versos que tu compões e cativas a todos nós.
    *Wcastanheira, depois vou postar sobre o meu primeiro contato com a poesia do seu amado Quintana; creio que você vai adorar. Beijos para vc também.
    *Gislene, fiquei a pensar se aí na Suíça tem pardal ciscando mansinho no terreiro como aqui na nossa terrinha natal (Epa! Até rimou)... Beijinhos mineiros.

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  4. Lindo, lindo, amei!
    Bjs e obrigada pela visita!
    Gena

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  5. *Beijos, Gena.
    Obrigada.

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  6. Manuel Bandeira, grande poeta, marcou-me com várias poesias, inclusive as que aparecem neste post. Mas não me esqueço o lindo poema "O Bicho":

    O BICHO

    VI ONTEM um bicho
    Na imundície do pátio
    Catando comida entre os detritos.
    Quando achava alguma coisa,
    Não examinava nem cheirava:
    Engolia com voracidade.
    O bicho não era um cão,
    Não era um gato,
    Não era um rato.
    O bicho, meu Deus, era um homem.

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  7. The Edn,
    Sempre atual esse poema do Bandeira. Há tantos anos ele o compôs e o ser humano ainda revira o lixo à cata de alimentos...
    Nada mudou.
    Obrigada pela visita e pela volta ao mundo da poesia(vide comentário no post "Deleitura").
    Abraços.

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