domingo, 12 de junho de 2011

Aos namorados do Brasil

Talvez  eu esteja ficando velha, mas o certo é que ainda não entrou no meu vocabulário o tal do verbo "ficar". Sei que devo treinar os meus ouvidos, pois pode ser que daqui a poucos anos uma  das minhas pequenas  me chegue a dizer "Mãe, fiquei com fulano". Confesso que essa ideia não me agrada. Sou mesmo do tempo em que se dizia "paquerar"  alguém... O "flertar" creio que é ainda mais antigo. Lembro-me de usar a primeira (risos).
Porém,  a palavra "namorar", ela sim, soa bela, romântica, atemporal, a evocar os mais belos sentimentos. Namorar, namorados, tudo de bom. A soma de 1+1 se desenha muito mais bonita e natural como as flores da fotografia acima.
Sabemos que, aqui no Brasil, a data 12 de junho é celebrada como o Dia dos Namorados, não por algum acontecimento singular que a marcasse no passado, mas por necessidade de aquecer as vendas. O comércio a instituiu e, a cada ano, torna-se uma das datas mais lucrativas. Basta dar uma olhada nos shoppings ou conversar com algum pombinho apaixonado para perceber a ansiedade na escolha do regalo. Não que eu tenha algo contra as pessoas que se esmeram na busca de um presente para a pessoa amada, mas o namoro tem que ser alimentado todos os dias do ano. Tem que haver respeito, carinho, atenção, essas coisas que todos repetem e sabem que é necessário numa relação a dois, no entanto, nem sempre fáceis de se cumprirem.
Para dizer mais, só mesmo o "Velho Drummond".

AOS NAMORADOS DO BRASIL

Dai-me, Senhor, assistência técnica
para eu falar aos namorados do Brasil.
Será que namorado algum escuta alguém?
Adianta falar a namorados?
E será que tenho coisas a dizer-lhes
que eles não saibam, eles que transformam
a sabedoria universal em divino esquecimento?
Adianta-lhes, Senhor, saber alguma coisa,
quando perdem os olhos
para toda paisagem ,
perdem os ouvidos
para toda melodia
e só vêem, só escutam
melodia e paisagem de sua própria fabricação?

Cegos, surdos, mudos - felizes! - são os namorados
enquanto namorados. Antes, depois
são gente como a gente, no pedestre dia-a-dia.
Mas quem foi namorado sabe que outra vez
voltará à sublime invalidez
que é signo de perfeição interior.
Namorado é o ser fora do tempo,
fora de obrigação e CPF,
ISS, IFP, PASEP,INPS.

Os códigos, desarmados, retrocedem
de sua porta, as multas envergonham-se
de alvejá-lo, as guerras, os tratados
internacionais encolhem o rabo
diante dele, em volta dele. O tempo,
afiando sem pausa a sua foice,
espera que o namorado desnamore
para sempre.
Mas nascem todo dia namorados
novos, renovados, inovantes,
e ninguém ganha ou perde essa batalha.

Pois namorar é destino dos humanos,
destino que regula
nossa dor, nossa doação, nosso inferno gozoso.
E quem vive, atenção:
cumpra sua obrigação de namorar,
sob pena de viver apenas na aparência.
De ser o seu cadáver itinerante.
De não ser. De estar, e nem estar.

O problema, Senhor, é como aprender, como exercer
a arte de namorar, que audiovisual nenhum ensina,
e vai além de toda universidade.
Quem aprendeu não ensina. Quem ensina não sabe.
E o namorado só aprende, sem sentir que aprendeu,
por obra e graça de sua namorada.

A mulher antes e depois da Bíblia
é pois enciclopédia natural
ciência infusa, inconciente, infensa a testes,
fulgurante no simples manifestar-se, chegado o momento.
Há que aprender com as mulheres
as finezas finíssimas do namoro.
O homem nasce ignorante, vive ignorante, às vezes morre
três vezes ignorante de seu coração
e da maneira de usá-lo.

Só a mulher (como explicar?)
entende certas coisas
que não são para entender. São para aspirar
como essência, ou nem assim. Elas aspiram
 o segredo do mundo.

Há homens que se cansam depressa de namorar,
outros que são infiéis à namorada.
Pobre de quem não aprendeu direito,
ai de quem nunca estará maduro para aprender,
triste de quem não merecia, não merece namorar.

Pois namorar não é só juntar duas atrações
no velho estilo ou no moderno estilo,
com arrepios, murmúrios, silêncios,
caminhadas, jantares, gravações,
fins-de-semana, o carro à toda ou a 80,
lancha, piscina, dia-dos-namorados,
foto colorida, filme adoidado,,
rápido motel onde os espelhos
não guardam beijo e alma de ninguém.

Namorar é o sentido absoluto
que se esconde no gesto muito simples,
não intencional, nunca previsto,
e dá ao gesto a cor do amanhecer,
para ficar durando, perdurando,
som de cristal na concha
ou no infinito.

Namorar é além do beijo e da sintaxe,
não depende de estado ou condição.
Ser duplicado, ser complexo,
que em si mesmo se mira e se desdobra,
o namorado, a namorada
não são aquelas mesmas criaturas
que cruzamos na rua.
São outras, são estrelas remotíssimas,
fora de qualquer sistema ou situação.
A limitação terrestre, que os persegue,
tenta cobrar (inveja)
o terrível imposto de passagem:
"Depressa! Corre! Vai acabar! Vai fenecer!
Vai corromper-se tudo em flor esmigalhada
na sola dos sapatos..."
Ou senão:
"Desiste! Foge! Esquece!"
E os fracos esquecem. Os tímidos desistem.
Fogem os covardes.
Que importa? A cada hora nascem
outros namorados para a novidade
da antiga experiência.
E inauguram cada manhã
(namoramor)
o velho, velho mundo renovado.
Carlos Drummond de Andrade

5 comentários:

  1. Brilhante post! Drummond ainda aparece para abrilhantá-lo... Só pode ser coisa boa.

    ResponderExcluir
  2. Todo mundo é ávido por amor, mas ele não se compra olhando as vitrines. Ele se constrói dentro da gente. Não precisa de pacote mágico, para substituir o trabalho de cultivá-lo no dia a dia. Aberto um pacote é preciso outro, para preencher o vazio, de amor perecível. E você está certa com sua preocupação porque construiu dentro de você algo que amadureceu. Também tenho filhos que conhecem melhor do que eu o verbo ficar. Mas as suas buscas são as de seus mundos, não necessariamente vazias, mas de novas construções, que nos escapam à compreensão, mas que tem sua razão de ser, acredito. O mundo não se sustenta sem amor. Pode mudar de estilo, mas que não seja o vazio. Espero. É apenas opinião.
    Ab.

    ResponderExcluir
  3. Gostei muito da postagem, se existissem pessoas com a mesma intenção que você tem o mundo seria melhor.

    ResponderExcluir
  4. Parabéns Cida.
    Maravilhosa postagem,amei!!Acho que a sensibilidade de muitos namorados, falta muita nobreza e virtude pra confraternizar algo tão lindo que é o amor com comprometimento e compreensão!!!

    ResponderExcluir