terça-feira, 5 de janeiro de 2021

Manuel Bandeira

PARDALZINHO

(Manuel Bandeira)

O pardalzinho nasceu
Livre. Quebraram-lhe a asa,
Sacha lhe deu uma casa,
Água, comida e carinhos.
Foram cuidados em vão:
A casa era uma prisão,
O pardalzinho morreu.
O corpo Sacha enterrou
No jardim; a alma, essa voou
Para o céu dos passarinhos

Foi o primeiro poema que me chamou a atenção. Eu tinha 8, cursava o 2º ano, e a professora o passou no quadro. Invadiu-me uma emoção que ainda não havia experimentado. A história daquele passarinho comoveu meu coraçãozinho de criança, mais e mais a cada verso,  e minha mente desenhava as imagens da menina a tentar alimentar um bichinho que a falta de liberdade fez morrer de tristeza, mesmo com todo o amor que a menina lhe dedicou. Percebi isso sem a professora explicar.
Mas como era lindo o céu dos passarinhos que minha imaginação criava. Esse era o meu consolo.
E durante toda a minha vida esse poeminha esteve num cantinho da memória, não escondido, mas reservado para os momentos em que me faz falta relembrar aquela criança que fui.

Almas perfumadas
Ana Cláudia Saldanha Jácomo(Para minha avó Edith)

Tem gente que tem cheiro de passarinho quando canta. De sol quando acorda. De flor quando ri. Ao lado delas, a gente se sente no balanço de uma rede que dança gostoso numa tarde grande, sem relógio e sem agenda. Ao lado delas, a gente se sente comendo pipoca na praça. Lambuzando o queixo de sorvete. Melando os dedos com algodão doce da cor mais doce que tem pra escolher. O tempo é outro. E a vida fica com a cara que ela tem de verdade, mas que a gente desaprende de ver.

Tem gente que tem cheiro de colo de Deus. De banho de mar quando a água é quente e o céu é azul. Ao lado delas, a gente sabe que os anjos existem e que alguns são invisíveis. Ao lado delas, a gente se sente chegando em casa e trocando o salto pelo chinelo. Sonhando a maior tolice do mundo com o gozo de quem não liga pra isso. Ao lado delas,pode ser abril, mas parece manhã de Natal do tempo em que a gente acordava e encontrava o presente do Papai Noel.

Tem gente que tem cheiro das estrelas que Deus acendeu no céu e daquelas que conseguimos acender na Terra. Ao lado delas, a gente não acha que o amor é possível, a gente tem certeza. Ao lado delas, a gente se sente visitando um lugar feito de alegria. Recebendo um buquê de carinhos. Abraçando um filhote de urso panda. Tocando com os olhos os olhos da paz. Ao lado delas, saboreamos a delícia do toque suave que sua presença sopra no nosso coração.

Tem gente que tem cheiro de cafuné sem pressa. Do brinquedo que a gente não largava. Do acalanto que o silêncio canta. De passeio no jardim. Ao lado delas, a gente percebe que a sensualidade é um perfume que vem de dentro e que a atração que realmente nos move não passa só pelo corpo. Corre em outras veias. Pulsa em outro lugar. Ao lado delas, a gente lembra que no instante em que rimos Deus está dançando conosco de rostinho colado. E a gente ri grande que nem menino arteiro.

Costumo dizer que algumas almas são perfumadas, porque acredito que os sentimentos também têm cheiro e tocam todas as coisas com os seus dedos de energia. Minha avó era alguém assim. Ela perfumou muitas vidas com sua luz e suas cores. A minha, foi uma delas. E o perfume era tão gostoso, tão branco, tão delicado, que ela mudou de frasco, mas ele continua vivo no coração de tudo o que ela amou. E tudo o que eu amar vai encontrar, de alguma forma, os vestígios desse perfume de Deus, que, numa temporada, se vestiu de Edith, para me falar de amor.
 

sábado, 23 de julho de 2016

É preciso não esquecer nada



É preciso não esquecer nada:

nem a torneira aberta nem o fogo aceso,
nem o sorriso para os infelizes
nem a oração de cada instante.
 

É preciso não esquecer de ver a nova borboleta
nem o céu de sempre.
 

O que é preciso é esquecer o nosso rosto,
o nosso nome, o som da nossa voz, o ritmo do nosso pulso.
 

O que é preciso esquecer é o dia carregado de atos,
a idéia de recompensa e de glória.
 

O que é preciso é ser como se já não fôssemos,
vigiados pelos próprios olhos
severos conosco, pois o resto não nos pertence.



Cecília Meireles
 (1962)

quinta-feira, 21 de julho de 2016

Boemia

Penso que quase todo mundo já teve um relacionamento e saiu, demorou um tempo em outros caminhos, mas acabou voltando.
Eu também...
Depois de um início cheio de animação, anos de liberdade de expressão em versos, canções, confissões, enfim, outra opção foi-se me apresentando e quando dei por mim eu já dava minhas melhores horas, emoções e risadas em outro espaço.
Conheci novas pessoas, sendo que a maioria não fazia parte do grupo do meu outro relacionamento. O novo me apresentou desde novas pessoas que eu nem via, mas que me mostravam onde estavam, com que roupa, o que comiam, até as tendências musicais, muitas delas de gosto bem duvidoso, diga-se de passagem, bem como posições ideológicas não só diferentes, mas em total desencontro com meu modo de pensar.
E assim se passaram 4 anos. Dentro de mim, reminiscências do relacionamento passado vinham de forma tranquila e, por algumas vezes, busquei fotos, imagens, num saudosismo que, contudo, não me fez voltar; o novo, moderno e dinâmico me cativava ainda.
Confesso que me irritei com os erros de grafia e com a futilidade que encontrava no meu "new passion" , mas em consideração a umas poucas pessoas de papo interessante que encontrei através dele, relevei e permaneci na relação.
Mas o "saco" foi enchendo e não deu jeito: deletei!
No início, é claro que não quis saber de outro compromisso, pois a cabeça estava saturada; sentia uma liberdade formidável, certeza de que fiz a coisa certa.
E curti essa liberdade, sem dar importância às críticas e estranhamentos; estava, na verdade, orgulhosa de mim mesma, a ponto de "encher a boca" muitas vezes e disse "tô fora"!
Mas veio batendo aos poucos uma saudadezinha, um saudosismo, quase "sofrência". Olhava imagens e escritos de anos atrás e sentia uma singela felicidade, mas deixava tudo lá no passado, incapaz de ver que estava mais do que na hora de voltar.
E não é que numa dessas situações banais do dia-a-dia, o simples ato de mostrar uma imagem e algumas palavras escritas para alguém e, quando essa pessoa se admirou e disse:"Eu não sabia desse seu gosto" e "Que bacana"!
 Pronto! Veio o insight: Eu vou voltar para meu blog!
E assim, com calma, sem me obrigar a ter inspiração em algum assunto para recomeçar, eis que, entre a reprise de "Karatê kid" e a novela "Anjo Mau", no "Vale a pena ver de novo", deu vontade de escrever e o smartphone se converteu na ferramenta que registra esta minha volta. Se houver alguns errinhos, perdoem; consertá-los-ei ao editar no computador. É que eu não podia desperdiçar a oportunidade, entendem?
Não me julguem por ter trocado o Blog pelo Facebook, tá?
Espero que com essa crônica sem-vergonha, meu blog me aceite de volta.
Cida dos Santos