QUEM É ADÉLIA PRADO?
Adélia Luzia Prado Freitas (Divinópolis - MG, 13 de dezembro de 1935).
Seus textos retratam o cotidiano com perplexidade e encanto, norteados pela sua fé cristã e permeados pelo aspecto lúdico, uma das características de seu estilo único.
Nas palavras de Carlos Drummond de Andrade: “Adélia é lírica, bíblica, existencial, faz poesia como faz bom tempo: esta é a lei, não dos homens, mas de Deus. Adélia é fogo, fogo de Deus em Divinópolis”.
Adélia é também referência constante na obra de Rubem Alves.
Professora por formação, exerceu o magistério durante 24 anos, até que sua carreira de escritora tornou-se sua atividade central.
Em termos de literatura brasileira, o surgimento de Adélia representou a revalorização do feminino nas letras e da mulher como ser pensante, ainda que maternal, tendo-se em conta que Adélia incorpora os papéis de intelectual e de mãe, esposa e dona-de-casa; por isso sendo considerada como a que encontrou um equilíbrio entre o feminino e o feminismo, movimento cujos conflitos não aparecem em seus textos.
AMOR FEINHO
Eu quero amor feinho.
Amor feinho não olha um pro outro.
Amor feinho não olha um pro outro.
Uma vez encontrado, é igual fé,
não teologa mais.
Duro de forte, o amor feinho é magro, doido por sexo
e filhos tem os quantos haja.
Tudo que não fala, faz.
Planta beijo de três cores ao redor da casa
e saudade roxa e branca,
da comum e da dobrada.
Amor feinho é bom porque não fica velho.
Cuida do essencial; o que brilha nos olhos é o que é:
eu sou homem você é mulher.
Amor feinho não tem ilusão,
o que ele tem é esperança:
eu quero amor feinho.
Bagagem
O livro Bagagem, foi a primeira publicação de Adélia Prado, de 1976, por indicação de Carlos Drummond de Andrade. Declaração da autora sobre a obra: "Meu primeiro livro foi feito num entusiasmo de fundação e descoberta nesta felicidade. Emoções para mim inseparáveis da criação, ainda que nascidas, muitas vezes, do sofrimento”.
O livro Bagagem, foi a primeira publicação de Adélia Prado, de 1976, por indicação de Carlos Drummond de Andrade. Declaração da autora sobre a obra: "Meu primeiro livro foi feito num entusiasmo de fundação e descoberta nesta felicidade. Emoções para mim inseparáveis da criação, ainda que nascidas, muitas vezes, do sofrimento”.
Em seu poema "Fluência", ela relatou a sensação da estreia: "O meu alívio foi constatar que depois da festa o mundo continuava igual e a perplexidade que gerou Bagagem continuava intacta. Foi ver que a poesia não desertara de mim".
Do ponto de vista estilístico, destaca-se a combinação dos contrários, como tristeza e alegria, tanto quanto do lirismo e da ironia. Bagagem chamou a atenção da crítica pelo jeito diferente que a autora tem de dizer as coisas que sente e vê.
Em Bagagem, os poemas são distribuídos em quatro grandes seções. Essas seções se configuram segundo um variado mapa existencial, que se divide entre as coordenadas da “poesia”, do “amor” e da “memória”, além daquela “alfândega”, de sentido mais escorregadio mas nem por isso menos sugestivo (pensemos num contraponto com o título do livro). O cotidiano é, sumariamente descrito, o espaço próprio das vivências imediatas, recebendo frequentemente a carga do trivial, que é a polaridade “terrena” das ofegantes aspirações ao sublime:
CONFEITO
Quero comer bolo de noiva,
puro açúcar, puro amor carnal
disfarçado de corações e sininhos:
disfarçado de corações e sininhos:
um branco, outro cor-de-rosa,
um branco, outro cor-de-rosa.
É a poesia do cotidiano, não do grandiloquente. Claro que muitos escritores brasileiros já tinham praticado ou pregado a poetização do cotidiano antes dela - dos modernistas a Mário Quintana-, mas em Adélia Prado a transformação do ordinário em extraordinário é soberba, não fosse esse um adjetivo que ela abominaria. A notar, ainda, a sensualidade que ela empresta à religiosidade.
A questão do feminino surge na poesia adeliana no modo como ela dá a ler um conjunto de práticas culturalmente marcado, de modo que o sujeito lírico ora com ele se identifica, ora dele se afasta, num movimento pendular entre a tradição e a ruptura, o diálogo com os poetas masculinos e a explicitação de sua diferença, de que o poema "Com licença poética", que inicia Bagagem, é exemplar.
Os primeiros poemas de Adélia Prado, publicados em Bagagem, procuram definir a imagem da poeta. Em "Com licença poética", ela assume sua sina de mulher-poeta ao passo em que se apresenta de forma simples e grandiosa ao mesmo tempo; sem deixar de explicitar suas antíteses, ou seja, as contradições do universo feminino, bem como suas diferenças diante do universo masculino.
O poema "Com licença poética" parafraseia o "Poema de Sete Faces", de Drummond:
Poema de Sete Faces
Quando nasci,
um anjo torto
Desses que vivem na sombra
Disse: Vai Carlos!
ser “gauche” na vida.
(C. Drummond de Andrade)
No início (primeiro verso), fica explícita a intertextualidade com o poema de Carlos Drummond de Andrade, na qual a poeta deixa claro sua diferenciação. No lugar de "um anjo torto", como no poema de Drummond, aparece então um anjo esbelto que representa o surgimento do eu-lírico do poema "Com licença poética".
COM LICENÇA POÉTICA
Quando nasci um anjo esbelto,
Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não tão feia que não possa casar,
Não tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas, o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
(dor não é amargura).
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida, é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.
GRANDE DESEJO
Não sou matrona, mãe dos Gracos, Cornélia,
sou mulher do povo, mãe de filhos, Adélia.
Faço comida e como.
Aos domingos bato o osso no prato pra chamar cachorro
e atiro os restos.
Quando dói, grito ai.
quando é bom, fico bruta,
as sensibilidades sem governo.
as sensibilidades sem governo.
Mas tenho meus prantos,
claridades atrás do meu estômago humilde
e fortíssima voz pra cânticos de festa.
Quando escrever o livro com o meu nome
e o nome que eu vou pôr nele, vou com ele a uma igreja,
a uma lápide, a um descampado,
para chorar, chorar, e chorar,
requintada e esquisita como uma dama.
Thank you for a letra bonita. Obrigado por sua visita. A mulher sem cabeça é inconsciente, não sei porquê? Obrigado pela poesia que eu gosto.
ResponderExcluirJean Marie
Lindos poemas e com coisas tão simples.
ResponderExcluirGostei de conhecer mais uma escritora com muita actualidade.
É. Já sei qual será o papel deste blog, agora que o Gestar terminou: ele será um divulgador da Literatura. Adorei Adélia Prado. Confesso que nada sabia sobre ela, a não ser alguns poemas salpicados pela vida afora. Mas queria te dizer que ler o Amor Feinho foi uma experiência maravilhosa.
ResponderExcluirAbraços da Silvia.
Cida,
ResponderExcluirQue surpresa agradável!
Eu resido em Caetanópolis e trabalho em Paraopeba. Sou um dos colaboradores do blog "Os Invicioneiros" e gostei muito do seu blog.
Desejo-lhe sucesso e visitarei sempre o seu blog!