quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Jardim de Inverno - Pablo Neruda

Publicado pela primeira vez em 1975, jardim de inverno é um dos vários livros póstumos de Pablo Neruda. O livro integra aquela que é conhecida como a última fase poética do autor, reunindo versos escritos entre 1971, ano em que o poeta chileno foi laureado com o Prêmio Nobel de Literatura, e 1973, ano da morte de Neruda.
Em Jardim de inverno, encontraremos um Neruda com menos preocupações sociais e políticas do que o da fase anterior e mais voltado para o mistério da vida da qual está se despedindo. São versos líricos e melancólicos, mas nunca autocomplacentes ou totalmente desprovidos do humor característico do poeta. Fazendo um balanço final e reafirmando sua profissão de fé, Neruda não consegue fazer outra coisa que não poesia do mais alto nível: "Que posso fazer se me escolheu a estrela/ para ser um relâmpago, e se o espinho/ me conduziu à dor de alguns que são muitos?/ O que fazer se cada movimento/ de minha mão me aproximou da rosa?".

Entre os muitos poemas do livro  destaca-se:

A pele da bétula

Pablo Neruda

Como uma pétala de bétula
és prateada e perfumada:
tenho que contar com teus olhos
ao descrever a primavera.

Mesmo não sabendo o teu nome
não há primeiro tomo sem mulher:
os livros se escrevem com beijos
(e eu lhes rogo que se calem
para que se aproxime a chuva).

Quero dizer que entre dois mares
a minha altura pendurou-se
como uma bandeira abatida.
E por minha amada sem olhar
estou disposto até a morrer
embora se atribua minha morte
ao meu deficiente organismo
e à tristeza desnecessária
depositada nos roupeiros.
O certo é que o tempo se escapa
e com voz de viúva me chama
desde estes bosques esquecidos.

Antes de ver o mundo,  então,
quando meus olhos não se abriam
eu já dispunha de quatro olhos:
os meus próprios e os do meu amor:
não me perguntem se eu mudei
(e só o tempo é que envelhece)
(vive mudando de camisa
enquanto eu sigo caminhando).

E todos os lábios do amor
fizeram a minha roupagem
desde que me senti desnudo:
ela se chamava Maria
(talvez Teresa se chamasse),
e me acostumei a caminhar
consumido em minhas paixões.

Sendo tu a que tu serás
mulher inata do meu amor,
a que do barro foi formada
ou a feita de plumas que voou
ou a mulher territorial
de cabeleira na folhagem
ou esta concêntrica caída
igual a uma moeda desnuda
no tanque dum topázio
ou a presente cuidadora
da minha errada indisciplina
ou bem a que nunca nasceu
e que eu espero desde sempre.

Porque a luz da bétula
é a pele da primavera.

Mais sobre o autor em:
http://www.lpm-editores.com.br/v3/livros/layout_autor.asp?ID=62

4 comentários:

  1. Neruda tem poemas de uma beleza própria.
    O seu estilo é único e muitas vezes é preciso parar e voltar a ler e para compreender a profundidade das suas palavras.

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  2. Que lindo! Há alguns anos li a biografia de Neruda e me apaixonei. Obrigada por trazer um poema tão delicado e compartilhá-lo conosco no blog.
    Abraços da Silvia

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  3. Pablito um grande nome de postura internacional, escreve delicado, passa mensagens fortes, gostei de andar por aqui, encontrar Pablo é uma das coisas boas da vida, pra vc bjos, bjos, bjossss

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  4. Prezada Professora Cida, Neruda é um poeta ímpar, de uma sensibilidade... Emociono-me ao falar de meus prediletos. Deixo minhas felicitações pelo blog e pela riqueza que ele traz. Agradeço-lhe a gentileza de seguir minhas publicações e peço-lhe que deixe lá seus comentários e críticas, que serão sempre oportunas.

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